quarta-feira, 26 de março de 2008

Casa de Bonecas

O bairro silencioso se assustou com o rumor naquela casa que sempre fora tranqüila. A cena: o pai gritando, a mãe chorando e o filho mais novo, menininho, sentado vendo a irmã de quinze partir com um pouco de coisas dela.
Que diabos fazia aquele homem com aquela menina? Punha a filha escorraçada de casa? Ele que sempre parecera tão tranqüilo! Que se passava ali, afinal?
Os gritos cessaram, mas ainda se ouvia algum choro da dona da casa e pai pedindo para não se falar mais nada (tudo isso baixinho para não causar mais escândalo).
Não, o pai não pusera a menina fora de casa, como imaginaram os vizinhos. Ele, ao contrário, tentara dissuadi-la da idéia que a jovem cabeça tinha por certeza: ia morar com o namorado. E foi.
O seu mundo de sonhos era um barraco de dois cômodos na favela do outro bairro, distante uns quatro quilômetros da casa do pai. Não era com o que ela estava acostumada, mas para tudo dá-se um jeito. Pensava: “por amor, eu me habituo a essa diferença de tudo; além do mais, o Well dará um jeito em tudo logo, logo”.
O Well era um sujeito de uns vinte e cinco, não muito interessado nas coisas de trabalho e de caráter, no mínimo, duvidoso. Ela sabia disso, mas ele era seu príncipe encantado que não precisava trabalhar como o pai para sustentar a casa. Ele era assim um homem de negócios e, sim, as coisas iriam sim melhorar, pensava.
O barraco ficou parecendo um lar depois que ela chegou. Limpou, varreu, espanou e pôs panos por tudo que é lugar como se brincasse. Fez bolo e jantar para esperar pelo amado. Quatro dias durou este conto.
Uma noite, chegou Well a casa, esbaforido. A menina tentou abraçá-lo, recebeu um empurrão quase-soco, caiu, bateu com a cabeça que sangrou (o empurrão não foi de raiva, ele nem viu quem era ela). Ele pegou qualquer coisa no guarda-roupa e saiu. Ela, ao mesmo tempo, saiu pelos fundos e ouviu os tiros. Não olhou para trás. Correu pelos becos e vielas já sabendo da morte do seu “marido”.
Chegou à casa do pai muito suja e chorando bastante. O velho olhou para a filha com o canto dos olhos magoados e soltou uma longa lágrima e um soluço escandaloso. E diante da mãe apreensiva e do filho curioso abriu os seus braços num gesto que só pai sabe. Aconchegou sua filha e seu neto e recomeçou de onde tinha parado.

Evandro Ferreira

Um comentário:

Poem disse...

Muito legal esse seu conto...achei tocante. Meu amigo....vc está se revelando hein?
Abreijos!